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ARTIGOSUso da trimetazidina no tratamento do zumbidoAndréia A Azevedo, médica otorrinolaringologista, Hospital São
Camilo, Volta Redonda-RJ
Trabalho realizado pela OTOSUL Otorrinolaringologia Sul-Fluminense, Hospital São Camilo, Volta Redonda-RJ Autores responsáveis: Andréia Azevedo e Ricardo R. Figueiredo, Rua 60, 1680, ap 202, bairro Sessenta, Volta Redonda-RJ, CEP 27261-130, fax 024 3342-5038, e-mail otosul@uol.com.br
RESUMO Introdução: O tratamento do zumbido é, ainda nos dias de hoje, um grande desafio para os otorrinolaringologistas. Várias lacunas persistem em sua fisiopatologia, tendo como resultado vários tipos de tratamento, com resultados muito irregulares.Objetivo: Avaliar a segurança e eficácia do uso da trimetazidina , medicação anti-isquêmica usada em Cardiologia, no tratamento do zumbido de causa neuro-sensorial. Material e método:38 pacientes com zumbido de causa neuro-sensorial tratados com a trimetazidina foram analisados em estudo retrospectivo, quanto ao sucesso terapêutico e efeitos colaterais. Resultados: Foi observado algum grau de melhora sintomatológica em 89,47 % dos pacientes, sendo que em 39,47 % dos casos observamos melhora superior a 60 %, acima da média normalmente citada como proporção de melhora do zumbido com tratamento medicamentoso (em torno de 50 %). A incidência de efeitos colaterais encontrada foi baixa (2,61% ), sem gravidade, não levando sequer a suspensão do tratamento. Conclusão: A trimetazidina, medicação anti-isquêmica já utilizada há vários anos na Europa para tratamento do zumbido de causa neuro-sensorial, constitui uma alternativa segura e eficaz para o tratamento do zumbido.
SUMMARY Introduction: Nowadays, the treatment of tinnitus is still a great challenge for the otolaryngologists. Many facts remain unknown in the fisiopatology of tinnitus, leading to many different therapies, with irregular results. Aim: Evaluate seccurity and efficacy of the use of trimetazidine, an anti-ischemic drug largely used in Cardiology, in the treatment of neuro-sensorial tinnitus. Materials and method:38 patients with neuro-sensorial tinnitus treated with trimetazidine, were analized for its efficacy and safety, in a retrospective study.Results: We found a high index of success in reliefing the tinnitus, about 89,47 %. In 39,47 % of the cases we found more of 60 % of relief, better than the usually mentioned 50 % of relief with drugs in general. The incidence of side effects was low, 2,61%, and did not result in suspension of treatment. Conclusion: The trimetazidime, an anti-ischemic drug used for many years in Europe as a tinnitus' treatment alternative, is a safe and successful alternative for neuro-sensorial tinnitus' treatment. PALAVRAS-CHAVE: zumbido, tinnitus, acúfenos, trimetazidine. KEY WORDS: tinnitus, acouphenes, trimetazidine.
INTRODUÇÃO: Vários tipos de tratamento para o zumbido têm surgido recentemente, com resultados moderadamente satisfatórios, refletindo a compreensão incompleta que se tem de sua fisiopatologia (1). Para muitos, o zumbido constitui uma das "pedras no sapato" do otorrinolaringologista (2), com resultados terapêuticos pobres e frustrantes, além de pacientes insatisfeitos. Diante deste quadro, qualquer opção terapêutica que possa acrescentar novas possibilidades de melhora deve ser, no mínimo, considerada a fazer parte de nosso arsenal terapêutico. Dentre as várias teorias elaboradas para a fisiopatologia do zumbido, uma das mais aceitas, hoje em dia é a da "excitotoxicidade", baseada no excesso de liberação do neurotransmissor excitatório glutamato a nível de vias auditivas periféricas e centrais, principalmente em situações de isquemia e trauma acústico. Tal fato levaria à sobre- expressão dos receptores sinápticos do tipo NMDA, ocasionando edema e ruptura dos neurônios auditivos primários, por entrada excessiva de cálcio nas células. Como os neurônios com excesso de receptores NMDA são ainda mais sensíveis à excitotoxicidade do glutamato, teríamos então um "círculo vicioso", propagando-se ao longa das vias auditivas (1,3). Dentre as possibilidades terapêuticas para os zumbidos ditos "neuro-sensoriais" ou "otológicos", podemos citar os medicamentos (tais como ginkgo biloba Egb 761, clonazepam, carbamazepina, piribedil), reposição de zinco (em idosos e em casos de hipozincemia), eletro-estimulação, bio-feedback e terapias de habituação (como a T.R.T. tinnitus retraining therapy). (1,4,5) A trimetazidina é uma droga anti-isquêmica usada em Cardiologia para o tratamento da angina pectoris. Age aumentando a produção de ATP, ao desviar o metabolismo dos ácidos graxos para o metabolismo glicídico, reduzindo a acidose celular, a sobrecarga de cálcio e a lesão induzida por radicais livres de oxigênio . Não possui nenhuma ação hemodinâmica, somente metabólica . É largamente utilizada na Europa para o tratamento de zumbido, vertigens e hiperacusia (4,6), e também como prevenção de lesões induzidas por ruído (7). Não possui contra-indicações, raramente apresentando efeitos colaterais, geralmente discretas náuseas, reduzidas ao ser administrada juntamente com as refeições. A dose preconizada é de 60 mg diários divididos em 3 tomadas. Pretendemos avaliar a eficácia e segurança da trimetazidina no tratamento do zumbido de origem neuro-sensorial, através de um estudo retrospectivo.
MATERIAL E MÉTODO: 38 pacientes com diagnóstico de zumbido neuro-sensorial tratados com a trimetazidina, na dosagem de 60 mg diários, divididos em 3 tomadas, foram analisados, de forma retrospectiva. Todos foram submetidos a rotina audiométrica no início e final do tratamento, que foi feito por 3 meses. Pacientes com disacusia mista ou condutiva não foram incluídos, da mesma forma que pacientes com zumbidos de etiologia muscular ou vascular (para-auditivos) e portadores de distúrbios de articulação têmporo-mandibular (ATM). Todas as avaliações audiométricas foram realizadas pelo mesmo profissional, sendo consideradas como melhora de limiar, mudanças iguais ou superiores a 10 dB, em ,pelo menos, três freqüências diferentes. O zumbido foi classificado pelos pacientes através de nota ,por eles atribuída ao nível de intensidade sonora do zumbido, indo de 0 a 10, antes do início do tratamento , com 30, 60 e 90 dias de tratamento. Não houve restrições quanto à idade, sexo, profissão, tempo de sintomatologia ou uso prévio de medicações para o zumbido para a inclusão no estudo. Os pacientes foram classificados em 4 grupos, de acordo com o grau de melhora do zumbido, a saber: - nenhuma melhora - até 30 % de melhora - de 31 a 60 % de melhora - melhora acima de 60 % Os dados obtidos foram estatisticamente comparados entre os dois grupos, e também com as alterações do limiar auditivo observadas.
RESULTADOS: Dos 38 pacientes, 18 (47,37 %) eram do sexo masculino e 20 (52,63 %) do sexo feminino. Quanto à faixa etária, tivemos 5,27 % com menos de 50 anos, 52,63 % entre 51 e 70 anos e 42,10 % acima de 71 anos. Com relação ao tipo do zumbido, 44,74 % dos pacientes comparavam o zumbido a um "chiado", 23,68 % a um "apito" e 26,32 % referiam ruídos compostos. Sensações do tipo "cachoeira", "motor" e "panela de pressão" também foram relatadas. 18 pacientes (47,37 %) referiram zumbidos bilaterais e 20 (52,63 %), unilaterais. 50 % dos pacientes apresentavam zumbido contínuo e 50 % intermitente. Já o tempo de sintomatologia foi inferior a 2 anos em 28,95 % dos casos, entre 2 e 5 anos em 21,05 % dos casos, entre 5 e 10 anos em 10,53 % dos casos e superior a 10 anos em 39,47 % dos casos. Os sintomas otológicos associados foram hipoacusia, hiperacusia, plenitude e tonteiras. As drogas referidas pelos pacientes como já utilizadas para o tratamento do zumbido foram ginkgo biloba (Egb 761 ou outros), cinarizina, noodipina, clonazepam e betaistina. Com relação à provável etiologia do zumbido, 71,05% apresntavam causa única e 28,95% causas múltiplas. As principais causas estão relacionadas no gráfico abaixo: Gráfico 1- causas do zumbido (em nº de casos) A nota do zumbido, atribuída pelo paciente no início do tratamento, variou de 1 a 4 em 7,89 % dos casos, de 5 a 7 em 21,05 % e de 8 a 10 em 71,06 % dos casos. Os índices globais de melhora são vistos no gráfico 2: Gráfico 2- percentual de melhora global
Em relação aos dados do gráfico 2, não foram encontradas diferenças significativas entre o grau de melhora de acordo com a idade, sexo, causa, tempo de existência e características do zumbido. Em relação ao limiar auditivo, dividimos os pacientes em 3 grupos, obtendo os resultados do gráfico abaixo: Gráfico 3- alterações do limiar auditivo após o uso da trimetazidina Não foram encontradas correlações entre a melhora do limiar e a melhora do zumbido (p=0,05). A incidência de efeitos colaterais (náuseas leves) foi da ordem de 2,61%.
DISCUSSÃO A trimetazidina é uma droga utilizada na Europa há vários anos no tratamento de zumbido e tonteiras, havendo várias referências, principalmente na literatura francesa (4,6). É uma das duas únicas drogas na França com autorização de "mise-em-marché" para zumbido, ou seja, com indicação em bula para o zumbido, juntamente com o ginkgo biloba Egb 761 (4). No Brasil, não existem referências ao seu uso para esta finalidade, estando restrita à Cardiologia. Estudos controlados duplo-cegos realizados em pacientes com zumbido de origem isquêmica, mostraram eficácia da trimetazidina no alívio do zumbido (8). Já no zumbido relacionado ao trauma acústico agudo, estudo conduzido em militares não mostrou diferenças entre o uso da trimetazidina, prednisolona e vitaminas do complexo B (7).
Alguns autores comparam a trimetazidina à betaistina no tratamento da doença de Menière, com melhores resultados e tolerabilidade para a trimetazidina (9,10). Por outro lado, segundo outros autores, quando comparada à eletro-estimulação, apresenta resultados semelhantes, havendo resultados sinérgicos na associação dos dois tratamentos quanto à recorrência do zumbido (11).
A maior quantidade,em nossos dados, de casos atribuídos a PAIR e presbiacusia deve-se ao fato de Volta Redonda ser uma cidade industrial, com uma grande parcela de aposentados em sua população. Nossos dados correspondem aos da literatura em relação ao alívio do zumbido (cerca de 89 % com algum grau de alívio, e, em cerca de 39 % alívio superior a 60 %) (12,13). É um pouco superior à avaliação média da terapia medicamentosa por pesquisadores brasileiros, calculada em torno de 50 % (14). Não encontramos, ao contrário de alguns autores, melhor índice de melhora em zumbidos mais recentes (12). Nossos dados, também de acordo com alguns autores (7), não mostraram correlação entre a melhora do limiar e a melhora do zumbido.
CONCLUSÃO: No Universo ainda pouco explorado que é o zumbido, todas as formas de tratamento que possam gerar algum grau de alívio para o paciente devem ser consideradas como opção terapêutica. Por esta razão, a trimetazidina, droga utilizada na Europa há muitos anos, com bons resultados e pouquíssimos efeitos colaterais, deve fazer parte de nosso arsenal terapêutico.
AGRADECIMENTOS: A todos os colaboradores do PAZ (Programa de Auto-ajuda ao Zumbido) de Volta Redonda e aos pacientes da Associação de Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 1. Meyer B et al. Définitions e Classifications. In: Meyer B et al.
Acouphènes et hyperacusie. Société Française d'Oto-rhino-laryngologie
et de Chirurgie de Ia Face et du Cou 2001: 3-8. |
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